16.12.06


Ao contrário do que dizem por aí o amor não mata. Ele magoa, despedaça, corta, mas não destrói a alma. O brilho dos olhos é tão recuperável quanto o sangue derramado após um corte profundo. Mas o próprio corpo trata de esconder as perdas nos seus devidos lugares. Seja de que maneira for.

E o importante no meio de tudo isto, é saber que estiveste sempre ai, de uma maneira ou de outra, a tentar falar ou calar emoções que sempre me(nos) pareceram de mais. Não eram, não são nem vão ser ilusões; eram, são e vão ser sentimentos. Estivesse ao meu alcance a tua boca, o teu corpo, a tua pele num destes últimos dias e, eu arriscaria o meu orgulho e grande parte das minhas certezas e convivções para te mostrar e provar, que ao contrário do que nos parece, as coisas podiam ser bonitas. Muito mais bonitas do que um dia poderão ter sido, muito mais bonitas do que ás vezes, ainda são. Mas também é bom que saibas que não vou parar vidas por ti, que não me vou privar da brisa quente dos dias de verão, da chuva fria e do nevoeiro dos dias de inverno, nem do calor dos abraços, o qual pouco soubemos dar um ao outro. Não distribuo culpas. Não posso, nem quero viver, com essa cruz, de que um de nós falhou.

Hoje, adormeci e acordei com aquela sensação de que ficaram coisas por dizer, por fazer, que eu devia ter vivido mais uma hora neste ou naquele dia, que deiva ter mandado o tempo parar para eu não me atrasar (ainda mais).

Ás vezes pergunto-me, onde será que nos perdemos, se é que algum dia nos conseguimos realmente perder. Fico a pensar nos inúmeros olhares que trocamos, em todas as conversas e circunstâncias cúmplices que nos levaram a enlevar as mãos uma ou outra vez. Também me perco, a imaginar-te ao pé de mim, todos os dias como antes, penso nas vezes que te lembrarás de mim, de nós. Recordo as últimas coisas que me dizeste, as últimas mensagens que me escreveste, particularmente aquelas em que especificas-te que era para eu não responder. Tenho dias em que morro por te perguntar se ainda sentes a minha falta, se o teu coração ainda bate mais depressa de cada vez que eu me aproximo, se te sentes nervoso e com vontade de me sorrir quando falas comigo, quando estás perto de mim. E depois, no meio destas vontades todas, desta angústia que se instala à medida que reecontro fragmentos de episódios vividos, que fui deixando fugir ou simplesmente esquecendo ao longo do caminho, já não sei se penso em ti ou nas pessoas que tentei que se parecessem contigo, como se falasse metaforicamente para um retrato (fiel) de ti.

12.12.06

Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura. Grave e metódica até à mania, atenta a todas as subtilezas dum raciocínio claro e lúcido, não deixo, no entanto, de ser uma espécie de D. Quixote fêmea a combater moinhos de vento, quimérica e fantástica, sempre enganada e sempre a pedir novas mentiras à vida, num dom de mim própria que não acaba, não desfalece, não cansa!

Florbela Espanca


(para a Rita que embora possa não se identificar com o excerto, escreve textos deliciosos, quase que místicos, que eu adoro. como tal, gosto da escrita dela. da dela e da poesia da Florbela Espanca também*)